Engatilhando Movimentos do Clérigo de Dungeon World

A classe mais próxima dos deuses. Recebe favores e cumpre missões em seu nome. Levar a glória de sua divindade é o chamado que o clérigo segue. Os movimentos de classe são delineados para cumprir tais vocações.

Como fizemos em outros artigos da série, trataremos daqueles movimentos de classe que deixam dúvidas e precisam de exemplos que contribuam para o entendimento dos gatilhos.

Orientação Divina


O texto desse movimento diz o seguinte:  “Quando fizer uma súplica adequada aos preceitos de sua religião, sua divindade lhe concederá algum conhecimento útil ou benefício relacionado aos seus domínios. O MJ lhe dirá qual”. As súplicas são informadas em outro movimento, o Divindade, que é o movimento inicial onde você cria a divindade a qual o PJ serve e adora. Dependendo das características da religião, um tipo de súplica é adicionado ao jeito do clérigo praticar a sua fé.

Citemos alguns exemplos de súplica que os clérigos podem fazer:

Súplica: Sofrimento


O grupo está parcamente protegido do frio e da neve, acampados sob uma grande rocha inclinada que barra o vento gélido. Eles estão perdidos, famintos e precisam urgentemente seguir adiante ou morrerão congelados. O clérigo do grupo, Hawthorn, pensa a respeito da situação com dificuldade pois a hipotermia parece fazer seus primeiros efeitos. Mas ele tem fé que Adagar, o deus dos esquecidos, possa tirá-los dessa enrascada. Lentamente, Hawthorn caminha para fora da proteção, larga seu pesado manto de lã e ajoelha-se. Com o rosto inclinado em direção ao céu branco, ele pede auxílio àquele que atende os oprimidos e esquecidos. O Mestre, sabendo que Orientação Divina entrou em ação, decide que a melhor forma de Adagar ajudar Hawthorn e seu grupo é indicando um caminho para uma proteção melhor contra o frio. Então pensa numa caverna nas proximidades, oculta por algum motivo que ele deixa para pensar depois a respeito. Mas antes disso, pede que o jogador role 1d6 pelo dano por exposição ao frio.

Outro exemplo, por um dos autores do jogo, Adam Koebel.

Súplica: Ganhando Segredos


A religião seguida pelo clérigo segue um deus que retribui seus fieis que descobrem segredos e os revelam à ordem. Um clérigo sempre pode suplicar em nome de um segredo que ele levou, mas se quiser que sua divindade o atenda novamente, deve escavar mais segredos, pois seus deus é ávido por conhecimento. A estrutura da fé pode inclusive ser montada para facilitar a obtenção de segredos: confessionários, sacerdotes conselheiros de reis e nobres, missões religiosas que atravessam fronteiras e espionam terras bárbaras ou outras fés, clérigos que entram ou formam grupos de aventureiros para adentrar em ruínas de civilizações perdidas ou outros planos, entre outras.

Agora protegidos das intempéries do clima e após uma fogueira acesa, Hawthorn olha ao redor, curioso com as inscrições nas paredes. Após um Falar Difícil que o relembra de uma língua morta, da qual o idioma de seu povo herdou muitas coisas, ele acaba descobrindo que o local onde estão é a entrada para o túmulo do Menino-Rei, o último dos Reis-Sacerdotes do Adversário, o deus nêmesis de Adagar. Que informação valiosa ele tem em mãos! Sua fama crescerá ainda mais dentro da ordem!

Súplica: Oferenda


Algo valioso. E depende da religião, do culto. Oferecer uma vida, oferecer um artefato mágico, alimentos em um altar apropriado, etc.

Numa noite amena, numa clareira em meio a uma grande floresta, Nina tem seu rosto moreno iluminado pela lua. O astro, o símbolo da deusa Glaura, parece observá-la em sua prece silenciosa. O apelo é importante para a missão a qual ela faz parte: resgatar a filha do xerife de Houth, levada pelos membros de uma seita diabólica, liderada por Zagodan. Na verdade, o irmão de Nina, Alfe.

O que ela vai oferecer à sua deusa, é algo que ela não havia oferecido antes. Em oferenda estarão as lembranças que ela tem de seu irmão gêmeo. Em troca, Nina pede que o caminho para o esconderijo de Alfe seja revelado.

Súplica: Vitória Pessoal


A sua conquista é a conquista da sua divindade. Sua organização religiosa é disciplinada e até militarizada, ou então, você honra o seu clã e seus antepassados para que eles se orgulhem de quem tu és. Supere um desafio maior do que você e suas súplicas serão atendidas.


A clava ribombou no chão com um estrondo ensurdecedor. O alvo do ataque, o clérigo anão do deus Korovash, desviou no último instante, para está bem próximo, o suficiente para arremeter seu martelo de baixo para cima na direção do queixo do ogro. O golpe ergueu a cabeça da criatura para trás, levando junto o resto de seu corpo, tombando e levantando poeira.

O anão sobe no corpo ainda com vida do seu inimigo. O clérigo posta-se sobre o tronco gigantesco da criatura, movimentando-se segundo o ritmo de sua respiração descompassada. Segurando o martelo com as duas mãos, ele olha para os céus. Olhos em chamas, cara carrancuda, suas palavras saem em súplica feroz: “Lord Korovash, senhor dos intrépidos, dos homens-de-armas, dos ferreiros, aqui quem lhe suplica sempre lhe honrou. Eu mostro para ti, meu inimigo a um golpe da morte misericordiosa. Minha digna e justa vitória é para ti. Peço que me favoreça. Então ouça o meu pedido.

Intervenção Divina

O movimento diz: "Quando comungar, receba domínio 1 e perca todo o domínio que possuía. Gaste esse domínio quando você ou um aliado receber dano para invocar sua divindade. Ela irá intervir através de uma manifestação adequada (uma ventania, súbita, um escorregão sortudo, uma explosão de luz) e negar todo o dano".

Minha dúvida nesse movimento sempre foi o trecho "quando você ou um aliado receber dano para invocar sua divindade". O texto dessa forma leva a interpretação que os personagens precisam invocar a divindade e, por causa dessa invocação, venham a sofrer dano, eles podem gastar o domínio para ele ser anulado.

Recorri então ao texto original em inglês: "when you or ally takes damage to call on your deity". Devido ao meu conhecimento nessa língua ser incompleto, continuei com a dúvida. O meu sentido sobre o movimento é que ele é engatilhado quando os personagens (o próprio clérigo ou um aliado) sofrem dano e o clérigo decide invocar sua divindade, gastando 1 domínio.

O texto diz que o clérigo recorre aos deuses e a resposta manifesta é muito rápida. Rápida o suficiente para evitar o dano que iriam sofrer (dano líquido e certo). É quase como se num momento de perigo, o clérigo estivesse se preparando para pedir auxílio divino quando o momento mais crítico surgisse. A divindade estaria de sobreaviso, digamos assim, pronto para agir a qualquer momento em favor do seu recorrente.

Por outro lado, a invocação divina seria uma forma de modificar a ficção, ou seja, alterar a narrativa. Exemplificando:


"Após Nina falhar miseravelmente num Discernir Realidades, enquanto investigava um grande salão junto com seus companheiros, o Mestre escolhe como Movimento Pesado iniciar um terremoto provocado pela abertura de um portal mágico em outro aposento, aproveitando para avançar uma das frentes. O Mestre descreve a cena, dizendo que um barulho de direção não perfeitamente identificada é ouvido e uma poeira fina começa a cair do teto, juntamente com pedregulhos. O chão começa a tremer. Para quem olhar para cima, poderão ser vistas fissuras surgindo rapidamente. O que vão fazer? O Mestre pede para alguns Desafiarem o Perigo, dentre eles a clériga. O resultado foi uma falha e o Mestre descreve que algumas pedras a acertam, causando 1d10 de dano. Além do mais, pedras maiores a separam do resto do grupo. O jogador de Nina diz que ela está pedindo por Intervenção Divina pois ele tem domínio 1 para gastar. O Mestre muda a narrativa dizendo que um buraco se abre abaixo de Nina, fazendo-a cair e deslizar por um túnel, jogando-a num aposento inferior."

Penitente

Abraçar a dor é senti-la e absorvê-la espiritualmente, a transformando num canal mais forte de contato com os poderes divinos.No exemplo acima, de Hawthorn se expondo ao frio extremo, vemos um possível exemplo de penitência. O clérigo deixa-se flagelar em seu momento de comunhão divina. Teríamos então dois movimentos engatilhados. Segue outro exemplo:

“Nina você está cercada por lobos famintos. Estão ensandecidos. Poucos passos são a distância entre eles e você e alguns estão a ponto de atacá-la. Não há espaço aparente para fuga e seus amigos estão distantes. O que você faz?” O jogador que controla Nina pondera por um instante, pensando nas escolhas e então diz: “Eu não me defendo dos primeiros ataques, pois pretendo usar a dor para canalizar sua energia para minha arma.” “Pois bem, Nina, o ataque era iminente mesmo. Logo, alguns lobos saltam sobre você, um deles morde seu ombro, outro parte para sua panturrilha e mais um outro tenta abocanhar seu pescoço. Sua posição é defensiva mas seu foco está todo na maça, segura com as duas mãos. Por favor, role 1d6+2”. Com o resultado da rolagem, Nina sofre 6 pontos de dano. “Nina, a reflexão sobre a dor gerada pelos ferimentos provocados pelos animais que estão agarrados em sua carne e músculos, relembra a você da sua missão sagrada: resgatar a sacerdotisa profetizada, filha do xerife de Houth. Role + SAB para o feitiço Arma Mágica. Lembre-se de somar +1 adiante para feitiços do movimento Penitente.”

Prece por Orientação

Quando sacrificar algo de valor para sua divindade e rezar pedindo por sua orientação, sua divindade lhe dirá o que ela quer que você faça. Se você o fizer, marque experiência.

Diferente do movimento Orientação Divina, que requer uma súplica adequada e é um movimento inicial, este movimento de nível 2 a 5 requer um sacrifício valioso. Mais uma vez, o cenário, o clima e o tom dirão os sacrifícios adequados: uma memória, uma vida, um troféu, um dia de orações, um período longo em jejum, moedas roubadas, um item mágico, uma nova tatuagem, dias de vida a menos, etc.

Ceifador

Quando você leva um tempo após o conflito para dedicar sua vitória à sua divindade e lidar adequadamente com os mortos, receba +1 adiante.

Para o clérigo, tudo que acontece no mundo tem influência direta ou indireta dos deuses, sejam eles aliados ou adversários. Um conflito é um ponto de encontro entre os vivos e os mortos, onde provavelmente uma passagem para o outro mundo será aberta. Está vivo após o combate, significa que no Grande Jogos dos Deuses, o seu lado saiu vencedor. A divindade ou divindades a quem você serve quis que sua vida fosse preservada. Dedicar verdadeiramente sua vitória a eles é um sinal de sua fé. A aceitação dessa verdade será agraciada num momento futuro com uma ação inspirada.

Cada religião possui procedimentos para tratar com inimigos da fé. No caso específico de alguém da religião matar outro em combate, ações diferentes são tomadas por cada igreja, seita ou ordem. Algumas devolvem o corpo aos parentes, outros deixam o corpo para apodrecer e ser comido pelos animais, outros queimam, enterram, mutilam, etc. A primeira vez que o clérigo engatilhar o movimento, ele deve escolher como a sua religião trata o corpo de um inimigo morto em combate. Nas vezes posteriores, o clérigo deve adotar o mesmo procedimento para engatilhar o movimento.
No geral, percebe-se que os gatilhos dos movimentos favorecem a interpretação, dando maior vida e cores às cenas que estamos construindo coletivamente. Então, faça uso deles e construa um clérigo que vai ser lembrado pelo grupo por muitos e muitos anos.
Comentem na seção de comentários, trazendo mais exemplos dos Movimentos ou interpretações diferentes sobre os gatilhos e os efeitos dos Movimentos.

Até a próxima classe da série, o Druida!

Classes anteriores: Bárbaro e Bardo.

Comentários

  1. Já virei fã deste blog, um dos motivos são estes posts sobre ENGATILHANDO MOVIMENTOS. São Fodásticos!!!

    Estou aprendendo muito e ansioso por umas das minhas classes favoritas: O Druida.

    Uma dica, se me permite. Tem um artigo interessante na DUNGEON WORLD MAGAZINE, em português, chamado O Druida e suas Mil Formas, que poderá ser muito útil na criação do post

    Acredito que há um pequeno equívoco neste, no movimento PENITENTE, acredito que deve-se rolar +SAB ao invés de +INT.

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    Respostas
    1. Olá, Bernard! Que bom que está gostando da minha contribuição para a comunidade de Dungeon World e o RPG de um modo geral. Eu corrigi o meu equívoco, pois realmente rolamos Sabedoria e não Inteligẽncia para o feitiço do Clérigo (INT é para o Mago). Quanto ao artigo que você citou, já o conheço e certamente não reinvetarei a roda e irei prontamente referenciá-lo.

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